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Crise política e pesquisa científica: Como a UFABC está sendo afetada?

A crise atual no Brasil envolve várias áreas: política, econômica, sociedade, entre outras, todas relacionadas. Sendo assim, a UFABC também tem sofrido os reflexos desse cenário. Mas, como exatamente ela é atingida? Quais os impactos na produção científica da universidade?    

   

A UFABC, como instituição pública, criada pelo governo federal, deve, de alguma maneira retornar o investimento que recebe ao país. Uma possibilidade é a produção científica. Um dos pontos citados no projeto de criação da UFABC é o desenvolvimento de pesquisas, principalmente na área tecnológica, o que atenderia um dos objetivos da criação da universidade.  
    

Porém, como se dá essa produção? A que condições e/ou interesses ela está ligada? De que forma podemos contribuir como futuros pesquisadores? Podem não haver respostas ou soluções fáceis para os impasses encontrados, mas refletir sobre este tema é o primeiro passo para buscar um entendimento do porquê e como essas relações acontecem em nosso país.

 

COMO CHEGAMOS ATÉ AQUI?

 

Para entendermos a situação atual, é necessário fazer um breve resgate histórico, já que o momento vivido hoje pelas universidades é reflexo de como a educação e a pesquisa científica vêm sendo tratadas em nosso país desde a década de 80.

  

O primeiro passo para uma maior atenção à pesquisa no Brasil se deu através da criação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, em 1985. Porém, apesar de sua criação, muito pouco foi feito pela ciência brasileira, até que, em 2006, durante o governo Lula, sua atuação foi revisada, e passou a ser mais efetiva na contribuição para o desenvolvimento científico brasileiro.

     

Em paralelo, em meados dos anos 2000, iniciou-se uma reforma do ensino brasileiro, que começou pelo ensino superior, e posteriormente, se estenderia a educação básica. Neste momento, o intuito era proporcionar o acesso ao ensino superior a uma maior parcela da população. Com isso, houve a criação de novos cursos e universidades, além da adoção de diversas medidas, como a política de cotas, o que inclui a UFABC.

   

Este crescimento das universidades, que até então estavam em segundo plano, aliado a uma maior atenção à ciência brasileira, e a um momento de crescimento da economia nacional, fizeram com que ocorresse um grande desenvolvimento da pesquisa científica em nosso país.

  

Porém, em meados de 2012, o Brasil, assim como outras nações desde de 2008, precisou lidar com uma grave crise econômica, que causou uma instabilidade política, representativa e institucional. Esses fatores somados resultaram em uma crescente rejeição ao governo da então presidente Dilma Rousseff, que mesmo após reeleita para o seu segundo mandato, sofreu o processo de impeachment.

   

Atualmente, o presidente Michel Temer, que assumiu o cargo - ex vice presidente, optou por medidas que implicam na redução de verbas para a educação, entre outras áreas prioritárias. A implementação da PEC 241/55, que é o símbolo máximo dessa nova administração federal, tem um resultado imediato para as universidades públicas, como a UFABC, e pode colocar a ciência brasileira em segundo plano novamente.

    

Este breve histórico mostra que ciência e política não podem ser separadas, e que elas estão interligadas em diversos níveis. Cada um desses tem suas particularidades e influenciam de formas diferentes na formação e manutenção da estrutura de pesquisa e acadêmica das universidades brasileiras. Alguns desses pontos serão brevemente discutidos a seguir.

 

CRIAÇÃO DA UFABC

  

A criação da UFABC se deu no contexto citado acima, onde o objetivo era impulsionar o ensino superior brasileiro. Logo, haviam muitos fatores favoráveis para que a mesma atingisse desenvolvimento pleno.

     

Seu projeto pedagógico interdisciplinar foi baseado no Processo de Bolonha, assinado em 1999, e que pretendia unificar e padronizar o sistema de ensino superior na Europa, facilitando a integração econômica européia, através do aumento da mobilidade e empregabilidade dos estudantes europeus.

No entanto, o modelo de pesquisa e educação foi apenas reproduzido na UFABC, sem a reflexão sobre as adequações e a funcionalidade dela dentro da realidade brasileira.
    

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Sempre tivemos como referência de excelência os países europeus. Dessa forma, para alcançarmos o padrão de 1º mundo, acreditamos que devemos ser “iguais” a eles.

     

Esta ideia também se aplica ao desenvolvimento científico. Porém, como nos igualar? E mais importante que isso, por que? Já que temos necessidades e motivações diferentes, a simples implementação de um modelo europeu não deveria ser tão óbvia.  

 

É impossível um país ser igual a outro, pois possuem contextos históricos diferentes, culturas diferentes, demandas sociais, econômicas e políticas diferentes. Não é uma “receita de bolo”. Não há um conjunto de políticas padrão que funciona em qualquer contexto.

VERBA DESTINADA ÀS PESQUISAS

    

Para produzir ciência, são necessários recursos, que são obtidos através das relações que a instituição possui com outras esferas da sociedade. No caso da UFABC, que é uma instituição financiada pelo Governo Federal, esses recursos vêm do Ministério da Educação (MEC). A verba recebida é distribuída em um planejamento orçamentário anual, que é colocado em prática pela universidade. Esta, por sua vez, deve prestar contas ao Ministério do Planejamento, informando como esses recursos são utilizados. No final do ano, se houver sobras desses recursos, eles devem ser devolvidos, e são depositados no Tesouro Nacional, que, segundo informações da PROPLADI, foi o que ocorreu no período entre 2006 a 2010, quando a UFABC estava em pleno desenvolvimento, favorecido pelo momento de crescimento econômico e de investimentos no ensino superior.


Infelizmente, a situação atual é bem diferente, devido à crise econômica pela qual o Brasil está passando. A verba prevista para ser repassada em 2017 para a UFABC está prevista no Projeto de Lei Orçamentária Anual do governo Temer, feito pelo Ministério da Educação, que será encaminhado ao Congresso Nacional. Conforme a Associação dos Docentes, a verba destinada à universidade em 2017 não será suficiente para que a UFABC mantenha a qualidade do ensino, reconhecido por diversos órgãos nacionais e internacionais. Em boletim apresentado pela associação, o investimento de cerca de R$ 38 milhões na universidade em 2017 será o menor de toda a história da UFABC.

Logo, a universidade precisou estabelecer critérios para destinar a verba disponível. A prioridade, portanto, é manter o funcionamento das estruturas já existentes da universidade, e do curso de graduação. O que resta é destinado a pesquisa, e, por último, às bolsas socioeconômicas, cuja disponibilidade está sujeita a haver excedentes na verba ou não. Esta estrutura mostra que a prioridade é a formação básica, que coloca mão de obra qualificada no mercado, enquanto que a pesquisa e especialização ficam em segundo plano, ressaltando um modelo de ensino brasileiro onde é mais importante produzir mão de obra em massa ao invés de menor quantidade de mão de obra especializada.

        

Outro problema está no corte de bolsas socioeconômicas, pois por se tratar de uma universidade pública, muitas pessoas, que possuem baixa renda, não terão condições de continuar frequentando a universidade sem os auxílios. Assim o princípio de inclusão, estabelecido no início da universidade é afetado negativamente. Já o corte de bolsas para pesquisa como o PIBID e PDPD reduz a capacidade incentivadora da UFABC para formação de alunos pesquisadores. Como no efeito dominó, menos incentivo, menos alunos pesquisadores, menos produção científica.

     

Além disso, a universidade já informou que não irá renovar o contrato de prestação de serviço de zeladoria, além de encerrar as atividades da Escola Preparatória que a UFABC mantinha em Mauá.

  

Por outro lado, sem verbas suficientes, a universidade não tem outra alternativa, senão priorizar os serviços essenciais. Infelizmente, a pesquisa sai prejudicada, o que leva a perdas para a sociedade como um todo.

 

PEC 241/55

      

A PEC 241/2016 é uma Proposta de Emenda à Constituição, com objetivo de instituir uma nova forma de distribuição financeira para o país. A base central da proposta está no estabelecimento do chamado “novo teto para o gasto público”. A proposta foi criada já durante o exercício de poder do presidente interino Michel Temer, tendo como mentor Henrique Meireles, ex-presidente do Banco Central nos governos Lula I e II, e atual Ministro da Fazenda. A justificativa é de redução da relação dívida-PIB (Produto Interno Bruto).

O que acontece com a Educação se a PEC for aprovada?

Em 2017, a regra atual será mantida. Os 18% da receita líquida da União irão para a Educação. A mudança ocorrerá a partir de 2018. A regra que passa a valer, então, será o investimento do mesmo valor de 2017 corrigido pela inflação, medida pelo IPCA (o governo projeta inflação de 4,8% para 2017. O mercado financeiro projeta 5,1%). Essa norma passa a valer até 2026, e, se não for alterada então, até 2036. Para o caso da Educação, assim como acontece com a Saúde, esse valor representa o mínimo obrigatório. O governo pode decidir investir mais nessas duas áreas. Para isso, terá de diminuir o orçamento de outros setores, pois o teto de gasto total do governo federal (sempre o gasto do ano anterior corrigido pela inflação) deverá ser respeitado.

 

Entretanto, para para os reitores das universidades federais, a PEC 241 vai desmontar o ensino e a pesquisa nacional. Na reunião da Frente Parlamentar em Defesa das Universidades Públicas no Estado de São Paulo, na Assembleia Legislativa paulista, Klaus Capelle, reitor da Universidade Federal do ABC, destacou que as dificuldades financeiras enfrentadas pelas universidades federais devem aumentar com o congelamento dos investimentos em níveis abaixo do ideal, que serão alterados pela inflação ao longo dos próximos 20 anos caso a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241 seja aprovada.

      

De acordo com a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), a Lei Orçamentária para 2017 apresenta números distantes das necessidades de custeio e de investimento das universidades federais. O custeio teria corte de 6,74%, que deverá ser retirado conforme o MEC. Já os investimentos serão cortados em 40,01%, e o Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes), em 3,17%, comparados à Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2016, essa já insuficiente.

     

Segundo cálculos de gestores, serão cerca de R$ 350 milhões a menos em investimentos para as 63 federais – na comparação com os R$ 900 milhões previstos para o setor neste ano. As instituições já vivem grave crise financeira, com redução de programas, contratos e até dificuldades para pagar contas.

 

CIÊNCIA SEM FRONTEIRAS

O programa Ciência sem Fronteiras foi criado ainda no embalo dessa reforma do sistema de produção científica brasileira, com o objetivo de investir na formação pessoal de estudantes de graduação e pós-graduação, para fortalecimento e internacionalização da ciência e tecnologia no Brasil. Desde 2011, quando o programa foi criado, mais de 101 mil alunos já foram mandados a universidades no exterior, para que, altamente qualificados, pudessem contribuir para o avanço da ciência, engenharia e tecnologia no Brasil.

Porém, o programa já vinha sofrendo muitas críticas, como o despreparo dos estudantes selecionados - incluindo a própria dificuldade com o idioma estrangeiro - aumentando ainda mais os gastos do governo. E, considerando a situação econômica do país, concluiu-se que o retorno era baixo, comparando com o alto investimento. Assim, o programa passou por modificações que resultaram no fim das bolsas para alunos de graduação.

 

Entretanto, a constatação do “baixo retorno” é duvidosa, já que não houve um acompanhamento dos estudantes participantes do programa, os reais impactos na vida desses estudantes, na ciência e tecnologia brasileira em geral. Logo, tal argumento não justifica o fim das bolsas.

 

Porém, a questão do alto custo do programa, principalmente em um período difícil para a economia do país, é algo sobre o qual devemos pensar. Será que num país onde mal se consegue manter instituições de alta qualidade, como a UFABC, cabe custear um programa tão caro? É uma questão difícil de ser respondida, pois cada vez mais se torna de conhecimento público altos gastos com salários e benefícios para funcionários públicos, assim como a superfaturação de obras, mostrando que o problema quanto à verba não é a falta, mas sim o destino da mesma.

 

Logo, encontramos em nosso país uma triste realidade, onde já não se investe muito em educação e pesquisa, e ainda as pequenas conquistas vêm sendo congeladas e cortadas, ao mesmo tempo em que há mal uso de dinheiro público. Entramos então em uma questão mais profunda do que só o congelamento do Ciência sem Fronteiras, que é a falta de investimento em educação e pesquisa, alinhado a má gestão do dinheiro público, criando grandes dificuldades para o desenvolvimento da pesquisa científica no Brasil.

CONTEÚDO DAS PESQUISAS

         

Entrando em um outro nível das relações entre ciência e política, que também é afetada pelo panorama atual, precisamos refletir sobre como são determinados os temas a serem pesquisados. Muitas vezes vemos o desenvolvimento de diversas ideias que trariam grande benefício para a sociedade. Algumas vezes, tais ideias conseguem ser desenvolvidas em pesquisas, mas que não chegam a ser implementadas no mercado, outras vezes, as pesquisas nem se desenvolvem.

 

Por que isso ocorre? A realização de pesquisas, assim como a implementação dos resultados conquistados por elas, muitas vezes é dependente de investimentos financeiros, públicos ou privados. Para conseguir tais investimentos, não basta uma boa ideia. É necessário que a pesquisa desenvolvida seja de interesse da entidade financiadora, ou mais ainda, não interfira nas atividades realizadas pela mesma.

 

O desenvolvimento de novos produtos muitas vezes pode significar a perda de lucratividade de determinados ramos, o que não é de interesse dos mesmos. Tais empresas, de grande influência política, acabam exercendo seu poder, e impedindo que as pesquisas avancem.  

 

Num cenário como o que vivemos atualmente, tais relações ficam cada vez mais gritantes, exigindo que a atuação do pesquisador vá para além do laboratório, e envolvam também uma cadeia de relações sociais e políticas que precisam ser criadas e estar em harmonia para que o objetivo da pesquisa científica seja atingido.

ÉTICA DO PESQUISADOR

Existe também uma questão ética, tanto por parte do investidor, quanto por parte do pesquisador, que muitas vezes são levados pelos ganhos financeiros que a pesquisa irá produzir, deixando de lado questionamentos éticos, e muitas vezes, prejudicando outros a favor dos lucros a serem conquistados. Nesse ponto, existe ainda uma outra questão, na qual o pesquisador, dentro do seu universo, ás vezes deixa de se perguntar sobre as consequências por trás do que está desenvolvendo, se preocupando apenas com os resultados principais.

     

Em tempos de crise, a atitude do pesquisador pode ser influenciada por ofertas financeiras sedutoras, pelas quais se deixa levar, colocando sua ética de lado. Como portadores de uma forma muito importante de poder, que é o conhecimento científico, nós, como pesquisadores, devemos sempre colocar nossas ações na balança, já que elas podem causar consequências ruins para a sociedade.

O QUE ESPERAR DO FUTURO?

Se em 2017 houver a aprovação da PEC 241/55, haverá um maior sucateamento do ensino público brasileiro, causando um retardamento na educação e deteriorando cada vez mais o avanço alcançado em poucos anos. Atualmente, já mal se consegue suprir o funcionamento das atividades de pesquisa, com isso em vez de avançar vamos começar a recuar e muito! Além de que com um congelamento na educação em geral, diminuirá muito a oportunidade de alunos de escolas públicas estaduais, municipais e escolas técnicas federais de terem acesso ao ensino superior gratuito, devido a possíveis cortes de bolsas socioeconômicas, e a precarização do ensino público, seguindo num caminho de “elitização” do público que terá acesso à faculdade, seja ela UFABC ou outras entidades públicas.

Portanto, existem relações muito específicas relacionadas à política e ciência que, no atual momento nos levam a crer que haverá um momento de reconstrução na educação brasileira. Momento no qual é de bastante preocupação, mas não uma preocupação que não deve ser levada como uma polarização direita/esquerda, mas sim como uma preocupação estrutural política, mesmo essa reconstrução se dando a partir do momento que temos uma transição de governo denominado como esquerda para um governo denominado como direita.

Essa reestruturação, com certeza trará diversas surpresas para o meio acadêmico em que não sabemos se serão boas ou ruins…

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